Marina Silva: "Estamos em uma época em que o debate político é conturbado e fortemente influenciado pela indústria de notícias falsas"

A porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade escreveu um artigo para a Folha de São Paulo na coluna "Agora é que são elas", contando sobre a sua experiência ao trabalhar no ambiente político, conhecido mundialmente por ser um espaço machista e preconceituoso.

"Muitas vezes já me perguntaram se sofri preconceito, na política, por ser mulher e negra. Sempre busquei respostas que combatessem o preconceito sem reforçá-lo", escreve a ex-senadora. "Algumas causas – e as pessoas que as representam – sofrem de modo mais intenso essas tentativas de silenciar, tornar invisível para sequer enxergar, rotular para não precisar argumentar, ou ridicularizar para não ter que considerar. É o que acontece na maioria das vezes com as causas das mulheres e o olhar feminino sobre os assuntos contemporâneos, incluindo as questões da política, que tem que se afirmar vencendo preconceitos que de tão antigos até parecem naturais". Em relato sobre o preconceito que ela mesmo acabou sofrendo, Marina escreve: "Mas há também uma força e sabedoria da mulher para enfrentar essas guerras. É o que tenho procurado usar como defesa. Desde a campanha eleitoral de 2014, em que enfrentei um volume gigantesco de ataques caluniosos, tenho recebido uma crítica insistente de que que estou 'sumida', calada ou omissa no debate dos problemas nacionais. Entretanto, todos os dias participo do debate público com os meios que disponho, principalmente minhas páginas na internet e nas redes sociais", argumentou. A ex-ministra também falou que, apesar de seus constantes posicionamentos, as mentiras continuam a acontecer. "Em abril desse ano, fui convidada para fazer a palestra de abertura da Brazil Conference, organizada por alunos brasileiros das universidades de Harvard e do MIT. A ampla cobertura dos principais jornais do país e do exterior não foi suficiente para evitar que o discurso do sumiço se repetisse algumas vezes naquele mesmo dia". Marina ainda diz que todas essas críticas tem por trás grupos que não concordam com as causas que ela defende. "É possível e legítimo que algumas pessoas desconheçam o que faço como professora, ativista socioambiental e dirigente de um recém-criado partido político, a Rede Sustentabilidade. Mas me parece que não é disso que se trata. Há uma ação deliberada de silenciar e ocultar, certamente porque grande parte das causas que defendo incomodam a alguns segmentos muito zelosos de seu suposto poder de controle e intimidação".

Marina diz que uma das coisas que mais favorecem esse ambiente preconceituoso é a fácil veiculação de mentiras pela internet. "Estamos em uma época em que o debate político é conturbado e fortemente influenciado pela indústria de notícias falsas. Existe um novo modelo de produção e disseminação das chamadas 'fake news'. No final, são negócios: a calúnia tem rentabilidade, mesmo sendo eticamente condenável. Quanto mais sensacionalista a notícia é, melhor para os que lucram politicamente e financeiramente com esse tipo de negócio espúrio". Ao descrever o que ocorre em sua página especificamente, ela lamenta: "Quando as novas tecnologias são usadas para atualizar velhos preconceitos, não são poucos os rótulos e adjetivos depreciativos que aparecem, como vejo em minhas páginas na internet, alimentados por perfis falsos, anônimos e robôs. Por trás deles existem pessoas operando, bloqueando a livre interação e o debate democrático de ideias".

A ex-senadora conta o caso de Aldo Rebelo, que acusou o seu marido injustamente em 2011 de ser contrabandista de madeira. "Durante a votação e discussão do Código Florestal, em 2011, estive no Congresso para pedir aos deputados que evitassem os retrocessos na legislação ambiental brasileira. Da tribuna, o deputado relator acusou meu marido de “fraudar contrabando de madeira”, sob aplausos daqueles que defendiam a anistia aos crimes ambientais. Assistindo do plenário, como cidadã e sem mandato parlamentar, não pude responder diretamente. Sofri o ataque sem ter direito de resposta". Ela também conta como encarou as acusações: "Mas em reação à menção mentirosa e caluniosa, não tive dúvidas. Entrei com uma representação no Ministério Público Federal pedindo a investigação das acusações que haviam sido proferidas contra meu marido. Se havia crime, a justiça poderia comprovar. Não houve nenhuma surpresa quando o parecer da Procuradoria Geral da República descartou a denúncia da existência de qualquer fato delituoso que pudesse ser investigado. Tentam aviltar minha trajetória de vida e meu trabalho de décadas comprometido com a agenda socioambiental fazendo repetidamente o uso dessa mentira na internet. Perante os 'donos da verdade', pouco importa o trabalho das instituições da Justiça atestando que 'não há um único elemento que confira votos de verossimilhança aos fatos noticiados'".

Ao se referir à participação feminina na política, a ex-ministra escreve: "A participação das mulheres na política, por sua forma singular de perceber o mundo e por seu lugar de fala, pode ajudar a conter e diminuir esses casos de abuso, violência, assédio e desrespeito. Mas mesmo ocupando funções públicas não estamos imunes a isso". Ela continua o texto falando do início da sua vida política. "Quando fui eleita senadora pela primeira vez, em 1994, houve uma tentativa de folclorização debochada do meu mandato como ex-seringueira recém-chegada em Brasília, por parte dos eternos incomodados com o que não é espelho. Convivo com esse mal-estar da invisibilidade, ou da visibilidade ridicularizada, há muito tempo. E sei, por experiência própria, como a violência contra as mulheres na política representa uma ameaça séria e crescente para a democracia".

Marina conclui afirmando que a participação feminina é essencial para ajudar a inventar e dar sentido ao mundo. "Recuperar o espaço do debate democrático na perspectiva do diálogo é um desafio urgente do nosso tempo. E nós mulheres temos um papel importante a cumprir nessa direção. Por mais que preguem nosso sumiço, nossa persistente e incômoda presença é a melhor forma de não compactuar com aqueles que tentam reduzir a singularidade de nossa forma de ajudar a inventar e dar sentido ao mundo, à mesmice de suas vontades."

Marina Silva

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Porque tentam desconstruir Marina Silva?

Desmentindo o mito de que Marina Silva "sumiu"

Ciro Gomes é sondado pelo PCdoB

Marina Silva, da luta humana à luta política

Ciro Gomes defende formação médica e residência sejam feitas por universidades públicas e em unidades do SUS

Pará: Marina Silva lidera em cenário sem Lula

Votos de Lula podem ir para Marina Silva, afirma diretor de pesquisas do DataFolha

Joaquim Barbosa, Bolsonaro e Marina Silva são os presidenciáveis menos rejeitados

Datafolha: Bolsonaro começa a desidratar e centro-esquerda avança

Jovens assinam carta em apoio à Marina Silva